Estado Plano de Tensão

Estado Plano de Tensão num espaço contínuo

Na mecânica de meios contínuos, diz-se que um material está sob o Estado Plano de Tensão quando o vetor de tensão normal a um dos planos principais é zero. Quando esta situação ocorre sobre um elemento de estrutura inteiro, como é o caso de placas finas, a análise de tensões simplifica-se consideravelmente, já que o estado de tensão pode ser representado por um tensor de dimensão 2 (apresentável através de uma matriz de 2 × 2 em vez de uma matriz 3 × 3).[1] Uma noção relacionada, estado plano de deformação, é também aplicável em membros muito espessos.

O estado plano de tensão ocorre tipicamente em placas finas que são sujeitas apenas a forças de carga paralelas a elas. Em certas situações, uma placa ligeiramente curvada pode ser assumida como tendo estado plano de tensão para propósitos de análise de tensões. Este é o caso, por exemplo, de um cilindro de paredes finas ocupado por um fluido sob pressão. Em tais casos, as componentes de tensão perpendiculares à placa são negligenciáveis quando comparadas com aquelas que são paralelas à mesma.[1]

Em outras situações, contudo, a tensão de flexão de uma placa fina não pode ser desprezada. A análise pode ser simplificada através do uso de um domínio bidimensional, mas o tensor de estado plano de tensão para cada ponto deve ser complementado com os termos de flexão.

Definição matemática

Matematicamente, a tensão em qualquer ponto do material está em estado plano de tensão se uma das três tensões principais (os valores próprios do tensor das tensões de Cauchy) é zero, isto é, o tensor de tensões no sistema de coordenadas cartesiano é,

σ = [ σ 11 0 0 0 σ 22 0 0 0 0 ] [ σ x 0 0 0 σ y 0 0 0 0 ] {\displaystyle \sigma ={\begin{bmatrix}\sigma _{11}&0&0\\0&\sigma _{22}&0\\0&0&0\end{bmatrix}}\equiv {\begin{bmatrix}\sigma _{x}&0&0\\0&\sigma _{y}&0\\0&0&0\end{bmatrix}}} .

Por exemplo, considere-se um bloco de material rectangular medindo 10, 40 e 5 cm segundo x {\displaystyle x} , y {\displaystyle y} e z {\displaystyle z} e que está a ser esticado na direcção x {\displaystyle x} e comprimido na direcção y {\displaystyle y} por pares de forças opostas com magnitude 10 N e 20 N, respectivamente, uniformemente distribuídas pelas faces correspondentes. O tensor de tensões do bloco seria de,

σ = [ 500 P a 0 0 0 4000 P a 0 0 0 0 ] {\displaystyle \sigma ={\begin{bmatrix}500\mathrm {Pa} &0&0\\0&-4000\mathrm {Pa} &0\\0&0&0\end{bmatrix}}} .

Mais genericamente, se se escolhem as duas primeiras coordenadas arbitrariamente mas perpendiculares à direcção de tensão zero, o tensor de tensões terá a forma,

σ = [ σ 11 σ 12 0 σ 21 σ 22 0 0 0 0 ] [ σ x τ x y 0 τ y x σ y 0 0 0 0 ] {\displaystyle \sigma ={\begin{bmatrix}\sigma _{11}&\sigma _{12}&0\\\sigma _{21}&\sigma _{22}&0\\0&0&0\end{bmatrix}}\equiv {\begin{bmatrix}\sigma _{x}&\tau _{xy}&0\\\tau _{yx}&\sigma _{y}&0\\0&0&0\end{bmatrix}}}

e poderá portanto ser representada em forma de matriz 2 × 2,

σ i j = [ σ 11 σ 12 σ 21 σ 22 ] [ σ x τ x y τ y x σ y ] {\displaystyle \sigma _{ij}={\begin{bmatrix}\sigma _{11}&\sigma _{12}\\\sigma _{21}&\sigma _{22}\end{bmatrix}}\equiv {\begin{bmatrix}\sigma _{x}&\tau _{xy}\\\tau _{yx}&\sigma _{y}\end{bmatrix}}} .

Equações constitutivas

Ver artigo principal: Lei de Hooke

Estado Plano de Tensão em superfícies curvas

Em certos casos, o modelo de estado plano de tensão pode ser usado na análise de superfícies ligeiramente curvas. Por exemplo, considere-se um cilindro de paredes finas sujeito a uma força de compressão axial distribuída uniformemente ao longo do seu aro, estando este ocupado por um fluido pressurizado. A pressão interna gerará uma tensão cilíndrica na parede, uma tensão de tracção normal directamente perpendicular ao eixo do cilindro e tangencial à sua superfície. O cilindro pode ser conceptualmente desenrolado e analisado como uma placa rectangular fina sujeita a uma tensão de tracção numa direcção e a uma tensão de compressão na outra direcção, ambas paralelas à placa.

Estado Plano de Deformação

Estado Plano de Deformação num espaço contínuo
Ver artigo principal: Deformação relativa

Se uma dimensão é muito grande comparada com as outras, a tensão principal na direcção da dimensão mais longa é desprezada e pode ser considerada zero, cedendo à condição de estado plano de deformação. Neste caso, apesar de todas as tensões principais não serem zero, a tensão principal na direcção da dimensão mais longa pode ser ignorada para os cálculos. Logo, isto permite uma análise bidimensional das tensões, como é o caso da análise de barragens na secção de corte carregada pelas reservas.

O tensor de deformações correspondente é,

ε i j = [ ε 11 ε 12 0 ε 21 ε 22 0 0 0 ε 33 ] {\displaystyle \varepsilon _{ij}={\begin{bmatrix}\varepsilon _{11}&\varepsilon _{12}&0\\\varepsilon _{21}&\varepsilon _{22}&0\\0&0&\varepsilon _{33}\end{bmatrix}}\,\!}

no qual o termo não-zero ε 33 {\displaystyle \varepsilon _{33}\,\!} surge a partir do coeficiente de Poisson. Este termo de deformação pode ser temporariamente removido a partir da análise de tensões para deixar apenas os termos do plano, reduzindo de forma efectiva a análise para duas dimensões.[1]

Transformação da tensão em estado plano de tensão e estado plano de deformação

Considere-se um ponto P {\displaystyle P\,\!} num meio contínuo sob um estado plano de tensão, com as componentes de tensão ( σ x , σ y , τ x y ) {\displaystyle (\sigma _{x},\sigma _{y},\tau _{xy})\,\!} e todas as outras componentes de tensão iguais a zero. A partir do equilíbrio estático de um elemento material infinitesimal em P {\displaystyle P\,\!} , a tensão normal σ n {\displaystyle \sigma _{\mathrm {n} }\,\!} e a tensão de corte τ n {\displaystyle \tau _{\mathrm {n} }\,\!} em qualquer plano perpendicular ao plano x {\displaystyle x\,\!} - y {\displaystyle y\,\!} que passe através de P {\displaystyle P\,\!} com um vector unitário n {\displaystyle \mathbf {n} \,\!} fazendo um ângulo θ {\displaystyle \theta \,\!} com a horizontal, ou seja, cos θ {\displaystyle \cos \theta \,\!} , é a direcção coseno na direcção x {\displaystyle x\,\!} , saõ fornecidos por,

Transformação da tensão num ponto do meio contínuo sob condições de Estado Plano de Tensão
σ n = 1 2 ( σ x + σ y ) + 1 2 ( σ x σ y ) cos 2 θ + τ x y sin 2 θ {\displaystyle \sigma _{\mathrm {n} }={\frac {1}{2}}(\sigma _{x}+\sigma _{y})+{\frac {1}{2}}(\sigma _{x}-\sigma _{y})\cos 2\theta +\tau _{xy}\sin 2\theta \,\!} ,
τ n = 1 2 ( σ x σ y ) sin 2 θ + τ x y cos 2 θ {\displaystyle \tau _{\mathrm {n} }=-{\frac {1}{2}}(\sigma _{x}-\sigma _{y})\sin 2\theta +\tau _{xy}\cos 2\theta \,\!} .

Estas equações indicam que numa condição de estado plano de tensão ou estado plano de deformação, podem-se determinar as componentes da tensão num ponto em todas as direcções, ou seja, como uma função de θ {\displaystyle \theta \,\!} , se se souber as componentes de tensão ( σ x , σ y , τ x y ) {\displaystyle (\sigma _{x},\sigma _{y},\tau _{xy})\,\!} em quaisquer duas direcções perpendiculares nesse ponto. É importante recordar que se considera a unidade de área de um elemento infinitesimal numa direcção paralela ao plano y {\displaystyle y\,\!} - z {\displaystyle z\,\!} .

As direcções principais, ou seja, a orientação dos planos onde as componentes de tensão de corte são zero, podem ser obtidas pela aplicação da equação anterior para a tensão de corte τ n {\displaystyle \tau _{\mathrm {n} }\,\!} igual a zero. Logo tem-se,

τ n = 1 2 ( σ x σ y ) sin 2 θ + τ x y cos 2 θ = 0 {\displaystyle \tau _{\mathrm {n} }=-{\frac {1}{2}}(\sigma _{x}-\sigma _{y})\sin 2\theta +\tau _{xy}\cos 2\theta =0\,\!} ,

e obtém-se,

tan 2 θ p = 2 τ x y σ x σ y {\displaystyle \tan 2\theta _{\mathrm {p} }={\frac {2\tau _{xy}}{\sigma _{x}-\sigma _{y}}}\,\!} .
Componentes da tensão num plano que passa através de um ponto do meio contínuo sob condições de Estado Plano de Tensão

Esta equação define dois valores θ p {\displaystyle \theta _{\mathrm {p} }\,\!} os quais estão separados por 90 {\displaystyle 90^{\circ }\,\!} em ângulo. O mesmo resultado pode ser obtido por encontrar o ângulo θ {\displaystyle \theta \,\!} que faça com que a tensão normal σ n {\displaystyle \sigma _{\mathrm {n} }\,\!} seja máxima, ou seja, d σ n d θ = 0 {\displaystyle {\frac {d\sigma _{\mathrm {n} }}{d\theta }}=0\,\!} .

As tensões principais σ 1 {\displaystyle \sigma _{1}\,\!} e σ 2 {\displaystyle \sigma _{2}\,\!} , ou as tensões normais máximas e mínimas σ m a x {\displaystyle \sigma _{\mathrm {max} }\,\!} e σ m i n {\displaystyle \sigma _{\mathrm {min} }\,\!} , respectivamente, podem então ser obtidas pela substituição de ambos os valores de θ p {\displaystyle \theta _{\mathrm {p} }\,\!} na equação anterior para σ n {\displaystyle \sigma _{\mathrm {n} }\,\!} . Isto pode ser atingido pelo rearranjo das equações para σ n {\displaystyle \sigma _{\mathrm {n} }\,\!} e τ n {\displaystyle \tau _{\mathrm {n} }\,\!} , primeiro transpondo o primeiro termo na primeira equação elevar ao quadrado ambos as margens de cada equação, somando-as depois. Logo tem-se,

[ σ n 1 2 ( σ x + σ y ) ] 2 + τ n 2 = [ 1 2 ( σ x σ y ) ] 2 + τ x y 2 ( σ n σ a v g ) 2 + τ n 2 = R 2 {\displaystyle {\begin{aligned}\left[\sigma _{\mathrm {n} }-{\tfrac {1}{2}}(\sigma _{x}+\sigma _{y})\right]^{2}+\tau _{\mathrm {n} }^{2}&=\left[{\tfrac {1}{2}}(\sigma _{x}-\sigma _{y})\right]^{2}+\tau _{xy}^{2}\\(\sigma _{\mathrm {n} }-\sigma _{\mathrm {avg} })^{2}+\tau _{\mathrm {n} }^{2}&=R^{2}\end{aligned}}\,\!} ,

onde,

R = [ 1 2 ( σ x σ y ) ] 2 + τ x y 2 e σ m e d = 1 2 ( σ x + σ y ) {\displaystyle R={\sqrt {\left[{\tfrac {1}{2}}(\sigma _{x}-\sigma _{y})\right]^{2}+\tau _{xy}^{2}}}\quad {\text{e}}\quad \sigma _{\mathrm {med} }={\tfrac {1}{2}}(\sigma _{x}+\sigma _{y})\,\!} ,

o qual é a equação de um círculo de raio R {\displaystyle R\,\!} centrado num ponto de coordenadas [ σ m e d , 0 ] {\displaystyle [\sigma _{\mathrm {med} },0]\,\!} , denominado Círculo de Mohr. Conhecendo-o para as tensões principais e a tensão de corte τ n = 0 {\displaystyle \tau _{\mathrm {n} }=0\,\!} , então obtém-se a partir desta equação,

σ 1 = σ m a x = 1 2 ( σ x + σ y ) + [ 1 2 ( σ x σ y ) ] 2 + τ x y 2 {\displaystyle \sigma _{1}=\sigma _{\mathrm {max} }={\tfrac {1}{2}}(\sigma _{x}+\sigma _{y})+{\sqrt {\left[{\tfrac {1}{2}}(\sigma _{x}-\sigma _{y})\right]^{2}+\tau _{xy}^{2}}}\,\!} ,
σ 2 = σ m i n = 1 2 ( σ x + σ y ) [ 1 2 ( σ x σ y ) ] 2 + τ x y 2 {\displaystyle \sigma _{2}=\sigma _{\mathrm {min} }={\tfrac {1}{2}}(\sigma _{x}+\sigma _{y})-{\sqrt {\left[{\tfrac {1}{2}}(\sigma _{x}-\sigma _{y})\right]^{2}+\tau _{xy}^{2}}}\,\!} .
Transformação das tensões em duas dimensões, mostrando os planos de acção das tensões principais, e as tensões de corte máximas e mínimas

Quando τ x y = 0 {\displaystyle \tau _{xy}=0\,\!} o elemento infinitesimal estão orientado na direcção das tensões principais, pelo que as tensões que actuam no elemento rectangular são as tensões principais, σ x = σ 1 {\displaystyle \sigma _{x}=\sigma _{1}\,\!} e σ y = σ 2 {\displaystyle \sigma _{y}=\sigma _{2}\,\!} . Então a tensão normal σ n {\displaystyle \sigma _{\mathrm {n} }\,\!} e a tensão de corte τ n {\displaystyle \tau _{\mathrm {n} }\,\!} como uma função das tensões principais podem ser determinados através da aplicação de τ x y = 0 {\displaystyle \tau _{xy}=0\,\!} . Logo tem-se,

σ n = 1 2 ( σ 1 + σ 2 ) + 1 2 ( σ 1 σ 2 ) cos 2 θ {\displaystyle \sigma _{\mathrm {n} }={\frac {1}{2}}(\sigma _{1}+\sigma _{2})+{\frac {1}{2}}(\sigma _{1}-\sigma _{2})\cos 2\theta \,\!} ,
τ n = 1 2 ( σ 1 σ 2 ) sin 2 θ {\displaystyle \tau _{\mathrm {n} }=-{\frac {1}{2}}(\sigma _{1}-\sigma _{2})\sin 2\theta \,\!} .

Então a tensão de corte máxima τ m a x {\displaystyle \tau _{\mathrm {max} }\,\!} ocorre quando sin 2 θ = 1 {\displaystyle \sin 2\theta =1\,\!} , ou seja, θ = 45 {\displaystyle \theta =45^{\circ }\,\!} ,

τ m a x = 1 2 ( σ 1 σ 2 ) {\displaystyle \tau _{\mathrm {max} }={\frac {1}{2}}(\sigma _{1}-\sigma _{2})\,\!} .

Então a tensão de corte mínima τ m i n {\displaystyle \tau _{\mathrm {min} }\,\!} ocorre quando sin 2 θ = 1 {\displaystyle \sin 2\theta =-1\,\!} , ou seja, θ = 135 {\displaystyle \theta =135^{\circ }\,\!} ,

τ m i n = 1 2 ( σ 1 σ 2 ) {\displaystyle \tau _{\mathrm {min} }=-{\frac {1}{2}}(\sigma _{1}-\sigma _{2})\,\!} .

Referências

  1. a b c Meyers and Chawla (1999): "Mechanical Behavior of Materials," 66-75.