Demonstração de Furstenberg da infinitude dos números primos

O teorema de Euclides, que assegura a existência de uma infinidade de números primos, é um resultado fundamental da teoria elementar dos números e possui inúmeras demonstrações. Além do próprio Euclides, matemáticos famosos como Euler, Goldbach e Erdös, entre outros, também forneceram demonstrações desse teorema. Há uma, no entanto, que chama bastante a atenção e que valeu fama ao matemático que a engendrou: é a “demonstração topológica” do matemático israelense Hillel Fürstenberg. A rigor, o uso de topologia não desempenha um papel central na demonstração. Na verdade, a topologia tem na demonstração de Fürstenberg mais um papel de linguagem do que de ferramenta indispensável. A prova[1] foi publicada pela primeira vez em 1955 no American Mathematical Monthly quando Fürstenberg ainda era um estudante de graduação na Universidade Yeshiva.

A demonstração de Fürstenberg

Dados inteiros a , b {\displaystyle a,b} , em que a 0 {\displaystyle a\neq 0} , defina S ( a , b ) = { a n + b : n Z } = a Z + b {\displaystyle S(a,b)=\{an+b:n\in \mathbb {Z} \}=a\mathbb {Z} +b} . Podemos chamar um conjunto da forma S ( a , b ) {\displaystyle S(a,b)} de “conjunto aritmético” (abreviadamente CA), dado que a ordenação de seus elementos x b {\displaystyle x\geq b} é uma progressão aritmética de termo inicial b {\displaystyle b} e razão igual a | a | {\displaystyle |a|} ; e a ordenação dos elementos x b {\displaystyle x\leq b} uma progressão aritmética de termo inicial também b {\displaystyle b} e razão, porém, igual a | a | {\displaystyle -|a|} .

Considere a coleção τ = { {\displaystyle \tau =\{} X : X é um CA ou uma união de CAs } { } {\displaystyle \}\cup \{\varnothing \}} de subconjuntos de Z {\displaystyle \mathbb {Z} } . Tal coleção é uma topologia sobre Z {\displaystyle \mathbb {Z} } (cujos CAs são abertos básicos, isto é, a coleção de todos os CAs é uma base para tal topologia). Os axiomas de uma topologia são facilmente verificados:

  • Por definição, o conjunto vazio {\displaystyle \varnothing } é aberto; e o espaço inteiro Z {\displaystyle \mathbb {Z} } também, já que S ( 1 , 0 ) = Z {\displaystyle S(1,0)=\mathbb {Z} } ;
  • União arbitrária de elementos de τ {\displaystyle \tau } é ainda um elemento de τ {\displaystyle \tau } ;
  • A interseção de dois elementos de τ {\displaystyle \tau } pertence ainda a τ {\displaystyle \tau } : dados U 1 , U 2 τ {\displaystyle U_{1},U_{2}\in \tau } e x U 1 U 2 {\displaystyle x\in U_{1}\cap U_{2}} , sejam a 1 {\displaystyle a_{1}} e a 2 {\displaystyle a_{2}} inteiros tais que S ( a 1 , x ) U 1 {\displaystyle S(a_{1},x)\subseteq U_{1}} e S ( a 2 , x ) U 2 {\displaystyle S(a_{2},x)\subseteq U_{2}} ; e seja a {\displaystyle a} o mínimo múltiplo comum de a 1 {\displaystyle a_{1}} e a 2 {\displaystyle a_{2}} . Então, como S ( a , x ) S ( a 1 , x ) U 1 {\displaystyle S(a,x)\subseteq S(a_{1},x)\subseteq U_{1}} e S ( a , x ) S ( a 2 , x ) U 2 {\displaystyle S(a,x)\subseteq S(a_{2},x)\subseteq U_{2}} , S ( a , x ) U 1 U 2 {\displaystyle S(a,x)\subseteq U_{1}\cap U_{2}} .

Esta topologia é um tanto incomum e possui duas propriedades notáveis:

  1. Se X {\displaystyle X\neq \varnothing } é finito, então X τ {\displaystyle X\not \in \tau } e, consequentemente, o complementar de um conjunto finito não-vazio nunca é fechado.
  2. Os abertos básicos S ( a , b ) {\displaystyle S(a,b)} são também conjuntos fechados, pois é possível escrever S ( a , b ) {\displaystyle S(a,b)} como o complementar de um conjunto aberto:
S ( a , b ) = Z j = 1 a 1 S ( a , b + j ) . {\displaystyle S(a,b)=\mathbb {Z} \setminus \bigcup _{j=1}^{a-1}S(a,b+j).}

Bem, os únicos inteiros que não são múltiplos de números primos são -1 e 1, ou seja, vale a identidade

Z { 1 , 1 } = p p r i m o S ( p , 0 ) . {\displaystyle \mathbb {Z} \setminus \{-1,1\}=\bigcup _{p\mathrm {\,primo} }S(p,0).}

Pela primeira propriedade, o conjunto Z { 1 , 1 } {\displaystyle \mathbb {Z} \setminus \{-1,1\}} não pode ser fechado. Por outro lado, pela segunda propriedade, os conjuntos S ( p , 0 ) {\displaystyle S(p,0)} são fechados. Assumindo então, por absurdo, que o conjunto dos números primos seja finito, como a união finita de conjuntos fechados é sempre um conjunto fechado, ganha-se que p p r i m o S ( p , 0 ) {\displaystyle \bigcup _{p\mathrm {\,primo} }S(p,0)} é fechado. Mas isto é uma contradição e, portanto, existem infinitos números primos.

Estudos complementares sobre a topologia de Fürstenberg

O espaço topológico proposto por Fürstenberg foi estudado por vários autores. Lovas e Mező,[2] por exemplo, forneceram diversas métricas que geram a topologia de Fürstenberg. E mais ainda: encontraram também o completamento métrico de Z por meio de uma dessas métricas.

Referências

  1. Fürstenberg, Harry (1955). «On the infinitude of primes» (PDF). Amer. Math. Monthly. 62. 353 páginas. ISSN 0002-9890. doi:10.2307/2307043 
  2. Lovas, R.; Mező, I. (2015). «Some observations on the Furstenberg topological space». Elemente der Mathematik. 70: 103–116 

Ligações externas

  • (em inglês) «Furstenberg's proof that there are infinitely many prime numbers»  no Everything2
  • (em inglês) «Fürstenberg's proof of the infinitude of primes»  no PlanetMath
  • (em inglês) «Fürstenberg's Proof of the Infinitude of Primes»  no The Prime Pages
  • (em inglês) «Infinitude of Primes - A Topological Proof»  no Cut The Not
  • (em inglês) «Infinitude of Primes - A Topological Proof without Topology»  no Cut The Not


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